Você tem fome de quê?
No primeiro artigo de nossa coluna, tratamos sobre a importância da lei de fomento à cultura através do incentivo fiscal conhecida como lei Rouanet. No entanto, ao citar a polêmica da edição de um livro de uma artista da mídia, sem nos darmos conta, entramos na questão: o que é então cultura?
Vamos investigar. Podemos utilizar a palavra cultura de três modos principais: primeiro, na sua definição mais geral, em que entendo cultura como tudo o que se opõe ao natural, tudo o que é produzido pelo homem, ou, por assim dizer, é tudo aquilo que não dá em árvore. Segundo, no seu sentido antropológico, entendo cultura como o conjunto de costumes, hábitos, crenças de um povo. E, em terceiro lugar, entendo cultura no sentido do patrimônio material ou imaterial, deixado através da história, de valor humanístico, artístico e cultural: livros, histórias, obras de arte, músicas, gêneros musicais, manutenção de coros, de orquestras, etc.
É claro que quando falamos da lei de incentivo, estamos falando do terceiro modo de se utilizar a palavra cultura. O que acontece é que na mistura do sentido antropológico e do patrimônio, muitos fazem confusão entre cultura popular e cultura de massa. As características da cultura popular são: ampla divulgação e permanência no tempo. A cultura de massa carece da segunda, só vale enquanto está na moda.
Quando, em 1450, Gutenberg inventou a prensa tipográfica, ele criou a possibilidade de reprodução de textos e gravuras em milhares de exemplares. Criou-se, com ela, o mercado editorial e a imprensa. No final do séc. IXX e início do séc. XX, foram inventadas e aprimoradas maneiras de gravar o som e reproduzi-lo. Surgiu, com elas, o mercado e a indústria fonográfica. Inventou-se a fotografia e, como conseqüência, o cinema e seus respectivos mercados. Depois, conseguimos gravar e reproduzir uma infinidade de dados no computador e veio o mercado tecnológico. Em seguida, conquistamos avanços no modo de transmissão e alcance daquilo que pôde ser reproduzido. Veio, então, o rádio, a televisão e, hoje, a internet.
É claro que tudo isso foi, é e sempre será utilizado para fins políticos e comerciais.
Enfim, o poder da tecnologia da reprodução e divulgação é capaz de mover, tanto na questão do gosto, como nos interesses políticos ou de mercado, nações inteiras. Da mesma maneira que Hitler utilizou o cinema na sua fase pré-histórica para fazer uma lavagem cerebral no povo alemão e disseminar suas ideias anti-semitas, os EUA, no pós-guerra, domesticou o mundo através do cinema americano e enlatados para a televisão. Por esse motivo, todos os meus alunos, quando iniciam o curso de violão, sabem quem é o Slash, mas não sabem o nome de nenhum violonista brasileiro de valor reconhecido. Nada contra os gêneros musicais americanos, muito pelo contrário. Aliás, toda a cultura (no sentido antropológico) produz obras de valor cultural (no sentido de patrimônio cultural da humanidade) que devem ser ouvidas, preservadas e divulgadas. O problema é quando somos, de alguma maneira, escravizados por interesses políticos ou de mercado e não utilizamos nosso senso crítico para fazer escolhas. Até antes da internet, não tínhamos nem a oportunidade de fazê-las. As escolhas eram feitas pelos donos das gráficas, das produtoras, das redes de rádio e televisão, seguindo seus interesses.
Para pessoas mais esclarecidas, esse interesse disfarçado nas estrelinhas era evidente, mas para muita gente, ele passava despercebido. Devido ao poder retórico das manchetes e a atração do interesse através da espetacularização e a polêmica, cria-se a opinião de massa que a ingenuidade repete constantemente. A “opinião” tem, justamente, essa característica, diferente do “argumento”. Ela carece de fundamentação. O mesmo acontece no campo das artes. Em poucas semanas, com esse poder de reprodução e divulgação, pode-se criar um hit de sucesso ou, até mesmo, um “artista”, tendo em vista o seu valor comercial e retorno financeiro. Isso se chama cultura de massa.
Antigamente, existia uma frase que dizia que cada povo tinha o governo que merece, ou, para ampliá-la, vive a situação política, social e cultural que merece. Quando não tínhamos em nossas mãos as ferramentas para escolher e divulgar aquilo que acreditamos ter valor, isso não era uma verdade, pois havia, e ainda há, muito dinheiro envolvido na manipulação das massas e não se tinha alternativa a não ser aceitar a escolha da maioria manipulada pelos meios de comunicação. No entanto, tendo esse poder, essa frase está mais próxima da verdade. Todos os dias, publicamos algo nas redes sociais, emitimos opiniões, argumentos, (o ideal é que fossem mais argumentos do que opiniões), curtimos, compartilhamos, etc. Você tem esse poder com um pequeno movimento.
Infelizmente, segundo o redator deste nosso jornal, a Tribuna de Itapoá, as manchetes policiais são sempre as campeãs de visualizações. Para dar um exemplo real, a publicação sobre o Projeto Sarau nas Escolas em nossa cidade teve 410 visualizações por aqui e uma publicação de um homicídio de um cidadão de Joinville, 1360. Daí a pergunta que dá o título ao artigo de hoje: “você tem fome do quê?”
Para diagnosticar o fato usando uma frase bem apropriada de um post da rede: “Em um país onde não há cultura (no sentido patrimônio cultural), a violência vira espetáculo”. De que modo você apoia a cultura (patrimônio) da sua cidade? Participa, divulga, curte, compartilha, comenta, opina, argumenta. Tanto os políticos, como o mercado, vão atrás do interesse geral.
Os primeiros, porque querem seu voto, o segundo, porque quer o seu dinheiro. É claro que, através do marketing, eles estão trabalhando para te convencer de alguma coisa. Eles querem fomentar, em você, o interesse por determinado assunto ou polêmica que interesse a eles.
Querem, muitas vezes, desviar sua atenção daquilo que é realmente importante: a educação dos seus filhos, seu desenvolvimento pessoal através de boas leituras, boas apresentações artísticas, o desenvolvimento das suas capacidades.
Quer uma cidade que tenha um plano de cultura, uma lei de incentivo à cultura, que traga apresentações artísticas e culturais de qualidade? Peça, compartilhe, divulgue, curta aquilo que possa favorecer a conscientização dessa necessidade. Fomente! Hoje, você tem esse poder, e com ele vem também a responsabilidade de participar da cultura (no sentido geral) do seu país, e fomentar o interesse para aquilo que realmente tem um valor cultural (no sentido antropológico e também de patrimônio humanístico). Mas, se você quiser uma situação cultural do jeito que está, então não faça nada. Como já advertiu nosso querido poeta gaúcho Mario Quintana: “Professora, não se preocupe com as palavras de gíria. O problema está nas ideias de gíria!”. Afinal, tá tranqüilo, tá favorável…
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Parabéns pela abordagem. A mensagem é valiosa para lembrar que nós, como sociedade, temos o poder de pautar o que julgamos essencial e assim afetar políticos e mercado. A opção é nossa. Políticas públicas podem ser fortalecidas nesta direção da cultura. O ser humano é cultura e natureza, como um ser híbrido. A educação e a arte é que poderão fortemente contribuir para que as gerações possam agir de forma integral e aperfeiçoem cada vez mais a democracia para acesso a todos de recursos para que possam pautar o que realmente vale a pena. Gostei muito do texto. Parabéns, mais uma vez.
Obrigado Corina pelo comentário e principalmente pela leitura. Gostei bastante do seu comentário é bom saber que mais gente acredita no poder da educação e cultura e que não se isenta da sua cota de responsabilidade. Quanto mais gente refletir sobre o assunto e assumir este papel podemos aos poucos mudar nossa realidade para melhor. Obrigado por acompanhar a coluna e ficarei contente e agradecido com o compartilhamento dos artigos que gostares. Abs.
Adorei o artigo. Infelizmente, tudo esta a serviço da ‘dominação’, até a cultura.
Sim, concordo contigo. No entanto, sempre temos algo a fazer por nós mesmos. Em nossas atitudes, palavras e publicações temos uma pequena força contra esta dominação. Obrigado por comentar o texto e fazer assim também a sua parte contribuindo para a discussão.
Muito bem colocado, eu também penso que estamos longe ainda de sermos um povo culto,, infelizmente, mas podemos mudar essa realidade desde que saiamos do comodismo e partamos para exigir as devidas mudanças e isso deve começar lá no início da nossa vida escolar. Quebra de paradigmas quem sabe?????
Sim. Concordo contigo Zeneide. Um pouco desta questão da educação trataremos no artigo que sai esta sexta. Mas temos também uma educação extra escolar que vem através do nosso exemplo, o que postamos, falamos, fazemos. Neste ponto sei que és um exemplo positivo na nossa sociedade pelo seu interesse pela arte e cultura. Parabéns e obrigado por comentar e contribuir para a discussão.
Cultura palavra rica de valor imensurável, onde precisamos reconhecer que precisamos melhorar nossa definição e coerência sobre o que iremos deixar como marca de nossa passagem por aqui… Mídia querem nos manipular, fazer com que enxerguemos somente aquilo que lhes convêm…
Busquemos outros caminhos a seguir com novos princípios básicos do que queremos deixar neste percurso traçado…
Uma bela reportagem Helmuth obrigado por abrir nossos olhos e nossas mentes para um novo caminho , sempre transferindo tal conhecimento…
E você o que esta fazendo para melhorar a sua Cultura e do lugar onde você vive?
Você tem fome de Quê?
Façamos algo em Prol dessa nova proposta fermentada nesta publicação….
Clareza nas palavras de onde surgiram novos caminhos formando assim um lugar melhor…
muy bueno el articulo, pese a que mi poco entendimiento del portuguez , no me permite disfrutarlo totalmente como hubiese querido, y como Comenta Gernote, el autor esta cubierto de razón , y con su texto y pensamiento, alimenta nos ayuda a aumentar nuestro simple raciocinio.
Gracias por su comentario. El nuevo artículo saldrá el viernes proximo, siempre quincenalmente!
Gostei do título que a partir do testo desloca a fome de sua estreita visão materialista de lucro financeiro. O divino mestre já dizia: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra divina. Bem aventurados os que tem sede de justiça. E outras expressões que fazem outra conexão à fome e sede. Que fome estamos a fomentar? Pergunta sábia e interessante. O autor está coberto de razão ao dar a entender que quem fomenta e cria a fome são os que detêm o poder da mídia que no caso deste jornal que não depende do volume de tiragem e vendas pode fazer a diferença. Ambos estão de parabéns.
Obrigado pelo comentário. Vamos tentar fazer a diferença através destas reflexões e discussões sobre o tema. Obrigado por contribuir. Nossa coluna mudou de dia sairá as sextas feiras quinzenalmente. Assim, sexta agora temos artigo novo. Abraço.
Muito bom o texto! Realmente somos “limitados” de certo modo, não temos uma educação política, não conhecemos bem nossa cultura, nem mesmo nossos direitos e deveres. Esse processo de aprendizagem deveria ocorrer desde a pré escola, de uma forma tão envolvente, que fosse impossível não querer mais. Uma grande diferença entre brasileiros e americanos, se chama Patriotismo.
Olá Lelia, obrigado por comentar nossa coluna. Concordo contigo. Um pouco sobre esta questão da educação tratamos no próximo artigo que sai sexta feira agora. E o pouco que podemos fazer é dar exemplo desta cidadania cultural como fizestes escrevendo este comentário e contribuindo para a discussão. Obrigado.