“Minha mãe, a Mulher”, por Fátima Rigoni
Sempre se esperou muito das mães. No contexto cultural em relação à maternidade, a realidade, novas profissões, novos saberes, regras impostas e paradigmas criados emergem e provocam exigências sobre esse momento tão importante na vida de uma mulher.
Escrevi este texto para apresentar a vocês, de forma muito sucinta, a figura de minha mãe, que sempre me surpreendeu. Ela nasceu em 11 de janeiro de 1936, ano em que Getúlio Vargas assinou o decreto que deu o nome do aviador Alberto Santos Dumont ao aeroporto do Rio de Janeiro, primeiro aeroporto civil brasileiro. Além disso, no mundo, conflitos e guerras aconteciam na Espanha. As Olímpiadas em Berlim e boicotes. O mundo acontecia…
Ela desejou muito estudar, mas seu pai não permitiu, porque como muitos homens da sua época, numa sociedade marcada pelo sistema patriarcal, não achava importante e considerava que a menina na escola só tinha interesse em aprender a escrever para o namorado. Nessa época, a mulher ganhava o direito para votar e até poderia trabalhar, mas só em 1962 se permitiu que mulheres casadas não precisassem mais da autorização do marido para isso.
Minha mãe sonhava ter filhos homens, uma questão de honra para aquela época. Ela ficava insegura e se sentia culpada por não ter dado, ao meu pai, um filho homem. Somos três filhas mulheres. Isso causou muita confusão mental quando o Alzheimer começou a afetá-la.
Durante sua vida, nos momentos de dificuldades financeiras, trabalhou muito. Acredito até que foi a primeira mulher em Curitiba a dirigir um ônibus. Ficou viúva aos 52 anos de idade e batalhou muito, mas nunca desistiu. Orgulhosa, não aceitava ajuda. Morreu aos 86 anos com Alzheimer no dia das mães do ano passado (2023). Dias depois de sua morte, ao arrumar seus pertences, Sonia, minha irmã mais nova, achou um diário, já sem capa e bem velhinho.
“Meu Diário da Felicidade”, esse foi o nome que ela deu para seu diário, escrito em um caderno espiral: “em fevereiro de 1998, conheci uma pessoa que me fez chorar, rir, amar e ser amada. Uma tarde muito bonita, quinta feira, eu e minha amiga Leony resolvemos dançar um pouco. Fomos ao clube Água Verde, que tem dois salões de dança. Como gosto de Vanerão, Valsa, Bolero…! Passei pela sala do lado esquerdo do clube, estávamos sentadas, eu de cabeça baixa, rezando. Tudo bem que lá não era lugar, mas quando a gente tem fé em Deus, qualquer lugar é lugar e qualquer hora é hora, pois Deus está em toda a parte e depende de cada um. Então, eu estava tão concentrada, quando minha amiga me deu um cutucão e falou baixinho:
– Hein, Zica: tem um coroa atrás de nós com um olharzinho de ‘peixe morto’ para você. Olhei para ele e, realmente, estava olhando para mim. Dei outra olhadinha e permanecia olhando pra mim. Falei para a minha amiga: – Vou fazer uma coisa que nunca fiz. Levantei e fui até ele: – Você dança? Ele respondeu que não sabia dançar. Então, eu disse que também não sabia, mas poderíamos tentar. Saímos dançando.
Só para saberem, ela era viúva desde 1988 e dançava muito bem desde mocinha. Quando o Alzheimer tomou conta dela e já não tinha memória alguma, inerte, na cadeira de rodas, movimentava levemente os pés ao ouvir suas músicas dos bailes. Havia um sinal de vida naquele momento.
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