‘A protetora das corujas”, por Werney Serafini
Uma senhora – por indicação de uma amiga comum – queria saber como deveria proceder diante de um fato que considerava criminoso. Referia-se a danos que seriam causados a um casal de corujas-buraqueiras, corriqueiras em Itapoá.
Nova na cidade, uma cena a deixou revoltada. Próximo à igreja do seu bairro, estavam construindo uma calçada, justamente onde havia um ninho de corujas. O ninho seria soterrado, apesar do veemente protesto das corujas. Considerava uma agressão e queria a todo custo, impedir a sua destruição. “Abandonar e maltratar cães é crime punido por lei, o que será então destruir o habitat e os ninhos das aves silvestres”, argumentava.
Calçadas são importantes. Servem a mobilidade das pessoas. Mas, e as corujas? Elas também vivem nas cidades. Além do que, são frequentes as manifestações sobre os direitos dos animais. Elas não teriam o direito de permanecer no local de origem?
Sem discutir o mérito, informei que poderia procurar a autoridade ambiental do município, relatar a ocorrência e solicitar providencias. Ou a Policia Ambiental que trata da repressão aos crimes contra o meio ambiente e animais silvestres. Poderia, também, recorrer à autoridade ambiental do Estado ao IMA ou, ainda ao IBAMA, a autoridade federal. Por último, ao Ministério Público, formalizando denúncia sobre um suposto crime ambiental.
No entanto, antes de envolver os órgãos de proteção à natureza, ponderei que, talvez fosse bom pesquisar sobre a ecologia das corujas-buraqueiras.
As corujas mesmo que forçadas a deixar o ninho certamente fariam outro na próxima temporada de reprodução, pois precisam nidificar para propagar a espécie. Portanto, não havendo indícios de postura, ovos ou filhotes no ninho, suprimi-lo não traria maior prejuízo à continuidade da espécie. Certamente seria construído em outro local. Assim, o ninho poderia ser “fechado” e a calçada construída. Caso constatado os indícios citados, restaria aguardar o nascimento e a saída das corujinhas, para somente após construir a calçada.
O episódio levou a uma reflexão: ao primeiro olhar, numa visão progressista, poderia parecer exagero, intransigência ou até radicalismo da senhora protetora das corujas; noutro olhar, numa visão sistêmica, a preocupação pontual da senhora faz pensar na necessidade da conservação da biodiversidade dos ecossistemas naturais em benefício das espécies, inclusive a humana.
Fez lembrar o físico e ambientalista Fritjof Capra que no seu livro “A Teia da Vida” atenta para a ligação e a interdependência entre as espécies, como condição para a manutenção da vida no planeta. Segundo ele, “o homem não tece a teia da vida, ele é apenas um fio; tudo o que faz à teia, ele faz a si mesmo…”.
Foi uma rara oportunidade conversar com a senhora protetora das corujas de Itapoá, levou-me a refletir sobre o papel da humanidade no planeta.
Itapoá (Verão), janeiro de 2024.
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