“Havia um poeta no meio do caminho”, por Werney Serafini
Naquele dia, 28 de fevereiro de 1983, quarenta anos passados, meu pai Mansueto Serafini nos visitava em Porto Alegre, cidade para onde havíamos recentemente mudado. Após o almoço, depois da tradicional e repousante “siesta” – para quem não sabe, é aquela saudável cochilada, costume dos bons gaúchos de antigamente – embarcou em uma lotação na Rua Nilo Peçanha, em frente ao colégio Anchieta, com destino à Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul, seguida de uma caminhada para matar saudades dos tempos em que viveu próximo à Rua da Praia, no centro de Porto Alegre, antes de se estabelecer em Curitiba no Paraná.
À noite, visitariam uns primos de Mansueto, em solidariedade pela perda precoce de um filho. Como demorava, Mônica estava preocupada com o horário. – O que teria acontecido? Indagava. Na verdade, “havia um poeta no meio do caminho”… Parafraseio Drumond para contar que, nas andanças pela Rua da Praia, Mansueto encontrou Mário Quintana, alegretense como Mónica e ambos leitores contumazes. Mansueto e Mário enveredaram naqueles papos infindáveis que fazem as pessoas perderem a noção do tempo. O que teriam os dois conversado, durante horas, naquela tarde quente de verão não se sabe: é algo que nenhum deles está aqui para contar.
Ao retornar, Mansueto relatou, alegremente, o reencontro e fez uma contundente observação sobre o amigo: – Mônica, achei o Quintana um “caco”! Acabado mesmo! E, em tom de brincadeira, uma comparação vaidosa sobre o próprio excelente estado de “conservação”.
Horas mais tarde, naquela noite de 28 de fevereiro de 1983, na casa dos primos, ao fazer um gesto imitando um conhecido comum, Mansueto sofreu uma parada cardíaca fulminante. Seus rosto paralisou pela última vez, em um sorriso. Mario Quintana, que aos 76 anos, lhe parecera um “caco” de tão acabado, ainda viveria até 1994.
Das tantas lembranças que tenho de Mansueto, meu primeiro e inspirador “guru”, ressurge em Itapoá, o seu vulto solitário num banquinho rustico de madeira à beira da praia, bem ali no Princesa do Mar, contemplando, por horas a fio, a imensidão do oceano. O que pensava naqueles momentos, não sei, ninguém sabe; e ele nem está aqui para contar.
Hoje, dediquei parte do meu tempo para contemplar o mar, naquele mesmo local, e refletir sobre as novas circunstancias do nosso lugar. Saudades de você, Mansueto, muitas.
Itapoá (Verão), março de 2023.
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