Renda incondicional básica, por Werney Serafini
O isolamento imposto pela pandemia global, as consequências na manutenção e sobrevivência das pessoas, as controvérsias da compensação financeira proposta pelo Governo Federal, fez com que resgatasse um projeto que foi pauta de discussão na Suíça. A proposta era que todos os cidadãos suíços, indiscriminadamente, recebessem uma renda mínima mensal, paga pelo Estado, no montante de 2.500 franco-suíços, equivalente na época, a 6.000 reais.
Projeto inusitado, pois a Suíça, além de ser um país rico, detinha um dos maiores índices de desenvolvimento econômico, social e humano do mundo. No entanto, o objetivo não era combater a pobreza, mas sim proporcionar liberdade econômica para todos os suíços, permitindo que decidissem sobre o que fazer de suas vidas, sem preocupações com o futuro financeiro. Uma adequação à nova realidade do trabalho, face aos avanços tecnológicos e a exportação de empregos.
A ideia não era novidade e, ao contrário do que se poderia pensar, contava com adeptos em diversos países. Diferente da bolsa-família brasileira, por contemplar ricos e pobres, ficou conhecida como “renda incondicional básica”.
As pessoas em geral trabalham. Pelo trabalho recebem dinheiro. Com o dinheiro realizam projetos e tocam suas vidas. Essa lógica está arraigada e faz crer que uma inversão na ordem é algo inconcebível e impraticável. Assim, instaurar uma renda garantida e permanente que disponibilizasse mensalmente determinada quantia em dinheiro, suficiente para permitir que cada indivíduo possa viver sem atividade assalariada parece, ao primeiro olhar, um despropósito. Entretanto, a realidade mundial e a crescente concentração da renda e da riqueza vêm, gradativamente, mudando essa concepção.
A redistribuição de renda, de certa forma, já é fato. Bolsas de estudos, licença maternidade, pensões previdenciárias, auxílios doenças, indenizações por demissão, bolsa-família e muitos outros “benefícios” tem em comum dissociar renda e trabalho. Para muitos a renda incondicional é considerada uma utopia moderna, porém percebem-se as evidências de que pode se tornar um fato. Na França, por exemplo, cerca de um terço da renda da população depende de redistribuição.
Uma primeira consequência da renda incondicional básica é a eliminação do desemprego, resolvendo-se uma questão social fonte de ansiedade nas pessoas. Também, uma forma de poupar recursos investidos na busca do pleno emprego, além de tornar desnecessário incentivos financeiros dado às empresas para incremento da oferta de empregos.
Por ser garantida e universal, isto é, concedida a todos, pobres e ricos, eliminaria o trabalho para acompanhamento e controle dos benefícios da assistência social, muitas vezes questionáveis pelo caráter humilhante, intrusivo e moralizador.
A renda incondicional básica deveria ser suficiente para se viver e concebida em conjunto com os serviços púbicos e seguros sociais. Paga a cada indivíduo, do nascimento até a morte e não a cada família; sem a exigência de nenhuma condição ou contrapartida; e acumulada com os rendimentos de trabalho eventualmente realizado.
Assim, cada pessoa poderia escolher o que deseja fazer da sua vida: continuar trabalhando, ou seguir desfrutando o tempo contentando-se com um nível de consumo modesto, ou ainda, alternar os dois. O período “desempregado” não seria mais “suspeito”, pois o trabalho remunerado não seria a única forma reconhecida de “ocupação” social.
Por outro lado, poderia estimular a atividade econômica nos países em desenvolvimento e reduzi-la ligeiramente em outros lugares, o que atenderia objetivos ambientais, por exemplo.
Ofereceria à oportunidade de eliminar o desemprego, a precariedade do trabalho, as más condições de habitação e a pobreza. Não eliminaria o sistema da livre iniciativa e mesmo que associada a um projeto de renda máxima, não eliminaria totalmente as desigualdades, mas evitaria a exagerada concentração da riqueza.
Enfim, poderia ser o início de uma nova ordem econômica, compatível com as necessidades atuais, tão visíveis neste período de pandemia. Numa metáfora, entre as figuras da cigarra ociosa e a formiga trabalhadora, interpõe-se uma terceira, a da abelha que com o trabalho de polinização pode não agregar valor direto, mas certamente nenhuma produção poderia existir sem ela. As pessoas, individualmente, desde as que exercem a mais simples atividade diária, estariam contribuindo na economia global.
Não dá mais para fazer de conta que a desigualdade não é o mal da economia mundial…
Itapoá (inverno), junho de 2020.
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