A CIÊNCIA EXPLICA: de onde vem a estiagem?
A gente acompanha a previsão do tempo e vivencia o clima no dia a dia, mas será que sabemos, para além das estações do ano, o porquê as condições meteorológicas e climáticas variam? A ciência é que tem as respostas e é lá que fomos buscar.
Para entender um pouco mais sobre a estiagem que permanece no estado de Santa Catarina e já começou a mostrar indícios em Itapoá, conversamos com o geógrafo e climatologista Rafael Brito Silveira. Bacharel e licenciado em geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em geografia e cursando o último semestre do doutorado na área, ele nos explica o porquê dessa estiagem, a previsão para os próximos meses e como o clima impacta as nossas vidas.
A estiagem prolongada tem explicação
Conforme Rafael, os meses de março e abril foram marcados pela recorrência de bloqueios atmosféricos sobre o Oceano Pacífico, o que potencializou a permanência da atuação de massas de ar quente no centro-sul do Brasil, especialmente nos estados da região Sul. “Resumidamente, um bloqueio atmosférico é uma anomalia de alta pressão persistente em altos níveis da atmosfera e em latitudes maiores do que o habitual”, explica o geógrafo.
De forma bastante simples e didática: com os bloqueios outros sistemas atmosféricos transientes ficam estacionados ou semi-estacionados e, entre os sistemas transientes estão as frentes frias que, em geral, provocam chuvas ao se chocarem com as massas de ar mais quentes.
Mas por que então choveu em alguns dias nesse período? Conforme Rafael, essas foram chuvas frontais e aí está outro problema relacionado à estiagem: “quando as massas de ar polar provenientes da Patagônia não são tão intensas, romper os bloqueios atmosféricos se torna uma condição ainda mais difícil e, além disso, as frentes frias na vanguarda geram pouca chuva por terem suas trajetórias mais marítimas e menos continentais”.
Assim, conforme o pesquisador, a atual estiagem trata de uma sinergia entre a recorrência de bloqueios atmosféricos mais a atuação de massas de ar polar relativamente fracas e “desviadas”.
Os impactos
Como mencionado na matéria anterior, os impactos da atual estiagem ainda não foram sentidos diretamente em Itapoá, mas diferentes cidades do estado estão tendo perdas na agricultura e sofrendo com a falta de água. De acordo com Rafael, o setor de energia do estado também já manifestou preocupação com a produção de energia a partir das centrais hidrelétricas.
Porém, os impactos não são isolados no estado catarinense. Conforme o pesquisador, o estado de Mato Grosso do Sul já sinalizou prejuízos na produção de milho e, no Paraná, imagens revelam os níveis baixíssimos que se encontram as cataratas do Iguaçu, ou seja, os impactos negativos incluem até o setor de turismo. “Aliás, a estiagem é transfronteiriça, uma vez que o clima e os sistemas meteorológicos não respeitam limites sociopolíticos e tal condição já é sentida na Argentina e no Paraguai, por exemplo. Citamos aqui alguns impactos isolados, porém, as estiagens são eventos de grande magnitude, seus efeitos podem ser sentidos em diferentes escalas e em diversos setores da sociedade”, destaca.
Previsão para os próximos meses
A previsão para os meses de junho e julho não é tão animadora para as chuvas em Santa Catarina: serão chuvas abaixo da média e mal distribuídas.
“Para Itapoá, embora não haja uma estação do ano seca, o inverno é o período com o menor acumulado de chuva, sendo assim, é importante a atenção e a consciência de todos”, destaca Rafael. Entretanto, segundo o pesquisador, “a atmosfera, por estar em estado gasoso, é algo com um dinamismo incrível e com muitas possibilidades de alterações e interações. Nesse sentido, eventos de chuva intensa, em curto espaço de tempo, podem ocorrer em qualquer estação do ano”.
Dessa forma, ele orienta que a população se mantenha atenta aos veículos de mídias oficiais e responsáveis que lidam com informações meteorológicas (de tempo) e/ou climáticas. “Uma dica: as previsões possuem uma maior probabilidade de acerto em até três dias”, complementa.
Nós e o clima
O cenário da estiagem que estamos vivendo é apenas um exemplo prático de como o clima faz parte da nossa vida, mesmo sem às vezes nos darmos conta. De acordo com Rafael, o clima é algo indissociável da vida das pessoas, em diversos setores, na agricultura, na prática de esportes, na economia, na saúde, entre muitos outros.
“Itapoá, na média anual, está localizada no setor mais chuvoso da região Sul, muito por conta da sua proximidade com a Serra do Mar e, devido a isso, a população urbana não sente o déficit de chuva de forma tão nítida. Todavia, nosso município não está livre dos efeitos mais extremos do clima”, afirma. O pesquisador recorda as fortes chuvas que causaram inundações e alagamentos em 2008 e 2011 e, de forma anual, as ressacas que atingem a orla do município. “As ressacas são eventos com um forte caráter climático intrínseco, pois são os ciclones e os anticiclones que funcionam como gatilho para as mesmas. Obviamente que, neste caso, podemos ter uma forçante astronômica por parte das marés e, também, do uso e ocupação do solo”, destaca.
Entretanto, ele esclarece: o clima não é uma entidade isolada que governa as repercussões na sociedade. “Muitos dos impactos gerados por eventos climáticos, sejam eles extremos ou não, tem um teor de planejamento urbano e regional ou da sua falta. Condições socioeconômicas, em geral, também estão atreladas aos efeitos negativos”, afirma.
Assim, de tudo isso, fica a necessidade de entendermos que “a relação entre clima e sociedade é uma via de mão dupla”!
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