“A tragédia dos comuns”, por Werney Serafini
O termo surgiu na Grécia Antiga, quando o historiador Tucídides, observou um fenômeno que definiu como a “tragédia das áreas de usos comuns”. Em 1883, o economista inglês William Foster Lloyd para explicar o fenômeno, imaginou uma hipotética vila medieval inglesa. Na vila, uma área comum era utilizada para pastoreio e produzia forragem suficiente para alimentar mil animais. Como desfrutavam da área mil pastores e cada pastor possuía apenas um animal, estava assegurado o sustento dos mil animais.
Caso um pastor decidisse colocar não um, mas três animais na área, individualmente uma decisão lógica, estaria triplicando a sua receita. Os dois animais a mais não fariam muita diferença, pois onde pastam mil, poderiam pastar mil e dois.
O raciocínio estaria correto se os demais pastores não pensassem como ele – o que seria pouco provável. Porém, se metade deles, colocasse três animais cada, seriam não mais os mil e dois, mas 1500 mais os 500 dos demais pastores. Onde pastam mil animais não pastam dois mil. Surgiria então à tragédia, ou seja, a degradação da área em razão do sobre-pastoreio. A decisão, lógica do ponto de vista individual, empreendida coletivamente provocaria a ruína ambiental e econômica de toda a comunidade.
A teoria voltou a ser discutida nos anos 1960 pelo ecólogo Garret Hardin. Segundo ele, os “problemas ambientais” têm origem em situações nas quais o benefício proporcionado pelo recurso natural é individualizado e o eventual prejuízo coletivizado.
Considera também o efeito escala, ou seja, os problemas tendem a aumentar à medida em que aumenta o tamanho do sistema analisado, pois os benefícios da exploração dos recursos, são facilmente percebidos, mas os prejuízos por serem difusos são difíceis de serem percebidos. Para um agricultor ou pecuarista, a vantagem em desmatar a margem do rio para aumentar a área de plantio ou pastagem é evidente, mas a consequência do desmatamento para a qualidade do rio é muito menos aparente.
Fica difícil pensar um problema ambiental que não se encaixe nessa lógica. Portanto, é fundamental tê-la em mente ao se discutir condicionantes ambientais, especialmente as voltadas à ocupação territorial.
“Comuns” são as águas, os rios, os lagos, as praias e os mares. As matas ciliares dos rios, as áreas úmidas, a atmosfera e a biodiversidade. São recursos que geram serviços ambientais para todos. A água é essencial para tudo, especialmente para a agricultura. Proteger margens e nascentes é cuidar da longevidade dos cursos d’água impedindo assoreamento e degradação.
Ao se proteger um “comum”, seja através de uma Área de Preservação Permanente ou de uma Unidade de Conservação, o que se faz é retirá-lo da lógica desastrosa da “tragédia das áreas de usos comuns”.
Facilitar leis para a exploração dos recursos naturais ou a ocupação indiscriminada de áreas ambientalmente sensíveis significa condená-las. É ingênuo, imaginar que um agricultor, familiar ou empresarial, legalmente autorizado a desmatar ou plantar na beira do rio, dê o mesmo valor à manutenção dos serviços ambientais que dá ao aumento do seu lucro, a exceção comprova a regra. O raciocínio serve também para a implantação de pequenas, médias ou grandes indústrias em áreas ambientalmente frágeis, como as bacias hidrográficas e os mananciais de abastecimento de água.
Descentralizar o licenciamento ambiental é outra tentativa para minimizar os efeitos da tragédia. Isso porque os serviços ambientais não se restringem as divisas políticas, sejam estaduais ou municipais. São perceptíveis quando pensados no todo.
O Brasil é visto como o país da oportunidade. Isso porque possui recursos naturais abundantes, situação inversa em muitos países desenvolvidos. Não faz nenhum sentido querer reproduzir a trajetória dos países que “cresceram” à custa da destruição dos seus recursos naturais. O Brasil está bem porque ainda tem o que eles não têm mais. E em Itapoá, o paraíso por muitos considerado, não é diferente.
Progresso e desenvolvimento transcendem conceitos especulativos ultrapassados, tipo crescer indefinidamente e a qualquer custo, seja social ou ambiental. Moderno é ser um país, estado ou cidade ambientalmente equilibrado e acessível a todos. Que investe em tecnologia para gerar qualidade de vida sem destruir a biodiversidade. São coisas que o mundo valoriza e busca cada vez mais. E é assim que Itapoá deve ser lapidada, com cuidado e responsabilidade.
Suprimir, emendar, fragilizar ou criar leis para diminuir a proteção dos ativos ambientais não é ser “moderno” ou “progressista”. Muito menos é estar preocupado com o bem-estar geral da população.
Itapoá (outono), abril de 2020.
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