Pensamento e Inércia, por Mutti Kirinus

Desde a invenção da roda, nada no universo humano se tornou realidade antes de ser uma ideia. Isso significa que as ideias movem o mundo e também (esta hipótese é o tema da coluna) podem estar sujeitas ao fenômeno físico da inércia. Nesse sentido, uma ideia que está em movimento tende a manter o seu movimento e uma que está parada tende a continuar no seu estado de repouso. Ora, mas somos nós quem damos ou não movimento a uma ideia, colocando-a em prática ou simplesmente divulgando-a.

O repouso e movimento do pensamento e sua consequência na realidade podem ser vistos nos exemplos:

– Todos já experienciamos o quanto é difícil mudar um mau hábito, essa ideia que se tornou uma prática recorrente é difícil de desfazer. Dizem que além do fator químico, o rompimento do vício do tabaco somente tem sucesso com o rompimento de um fator psicológico deste hábito prejudicial à saúde. Ou seja, é preciso começar a pensar como um não fumante, desfazer associações de prazer e recompensa no dia a dia que o fumante possui, para se tornar um não fumante.

– Um sentimento recorrente causado por um trauma muitas vezes leva anos de terapia para sua superação. Isso através da conscientização e uma mudança na forma de encarar o fato traumático.

– Uma imperfeição de personalidade, ‘o jeito da madeira’, de uma pessoa, quando não é algo grave e não vai contra princípios éticos, é mais fácil aceitar do que esperar uma mudança, para se preservar uma amizade.

– A dificuldade de dialogar com as ‘pessoas de opinião’.

– Etc.

No entanto, todos sabemos que é possível a libertação de um vício; a cura de um trauma; um aprimoramento nas imperfeições em nossa personalidade; um diálogo saudável, interativo e construtivo de opiniões diversas.

Isso somente é possível através de um ato consciente de mudar o rumo do que pensamos e/ou da forma como pensamos. Isso se chama de pensamento crítico, sobre nós mesmos, sobre as informações e opiniões que recebemos, sobre os outros, sobre os valores, sobre o mundo.

No fundo, em diferentes níveis de complexidade, esse é o exercício do que conhecemos por Filosofia. A prática desse exercício é a ferramenta do movimento e liberdade; e a sua falta é a ferramenta da alienação e repouso da ignorância. Como diz um ditado hindu: tome cuidado com o que praticas, pois no decorrer dos anos, inevitavelmente, você ficará bom nisso.

Se a mudança vem do pensamento, a falta do exercício desse, somente tende à inércia de um estado de coisas que permanecerão como estão. Desse modo, aqueles que realmente desejam a mudança deveriam levantar a bandeira do exercício do pensamento crítico e da Filosofia, e nunca o contrário.

A arte também tem esse papel de movimento e mudança. Quando o poeta Mário Quintana reflete e responde sobre a utilidade da literatura, do pensamento e da poesia, escreve: ‘Os livros não mudam o mundo; as pessoas mudam o mundo. Os livros mudam as pessoas.’ O mesmo pode-se estender a todas as artes e poderia ser lido assim: ‘A arte não muda o mundo, a arte muda as pessoas, essas sim mudam o mundo’.

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