O Artista como Produtor, por Mutti Kirinus
Depois de décadas de estudo e trabalho para o aperfeiçoamento de técnicas, expressão artística e poder criativo resta ao artista um outro trabalho: fazer com que a sua arte tenha rentabilidade suficiente para que ele possa dedicar boa parte do seu tempo a ela e não interromper o trabalho de aperfeiçoamento constante que a arte exige.
Neste contexto o artista tem que ser ao mesmo tempo o seu produtor, aquele que vai transformar a sua arte em um produto; ser o seu analista de marketing e publicitário, aquele que vai descobrir o seu público e divulgar o produto para o mesmo; o seu próprio empresário e captador de recursos, aquele que vai gerenciar sua atividade e conseguir investimentos para que o seu produto permaneça vivo e lhe fornecendo subsistência.
Para garantir a sustentabilidade destas atividades ambas as tarefas são necessárias, a artística propriamente dita e a empreendedora. Igual a todo empreendimento de qualquer setor leva-se um tempo e muito trabalho para que este possa adquirir alguma estabilidade. Enquanto isso não acontece, uma alternativa recorrente de muitos profissionais de vários segmentos artísticos garantirem o pão de cada dia, e não se afastar muito da sua prática artística, é trabalhando também no ensino das técnicas de sua arte no trabalho docente.
Some a esta realidade ainda o papel educativo, político e ideológico de difusão da ideia de valorização da arte que lhe cabe também já que o Estado de uma maneira geral não o faz. Tarefa que faz parte da própria conservação e sustentabilidade da mesma e que todo artista que se preze levanta como bandeira.
Por último, diferente da maioria dos outros trabalhos, o artista tem uma exposição pública constante da sua pessoa e do resultado do seu trabalho, sujeito a críticas positivas, negativas, construtivas ou não. Isto acarreta um trabalho de constante reconstrução psicológica cujo sucesso desta irá resultar na sua permanência ou desistência de tal atividade.
Seguindo a máxima de grandes musicistas que afirmam que 99% da sua arte é transpiração e apenas 1% é inspiração, e diante de todo esse outro trabalho para além da arte necessário para garantir sua permanência, causa espanto a associação da arte com uma espécie de vadiagem, algo que não é propriamente um trabalho. Além de mensagens na rede social onde defensores do fim da lei Rouanet constantemente mandarem os artistas ‘trabalharem’, houve também recentemente a sugestão de fim dos direitos trabalhistas para atividades no setor, ou seja, o artista não poderia ter a carteira assinada, pois esta atividade não representa um trabalho propriamente dito. Sem contar que já é bastante raro um empresário assinar uma carteira de trabalho por um trabalho artístico.
É fato que o resultado do trabalho artístico não tem um fim de utilidade imediata e pragmática como a fabricação de pães, por exemplo. No entanto, se nem só de pão vive o homem, é inegável que nesta outra necessidade vital para o ser humano é o artista que põe verdadeiramente a mão na massa.
Leia também:
Passado o período eleitoral, a Coluna Cultural pode retornar desse momento com algum aprendizado. Segundo as pesquisas qualitativas que orientam as campanhas eleitorais dos diversos candidatos, e também pela pouca presença da mesma no conteúdo das pr...
Com grande sabedoria, Paulo Freire afirmou que a neutralidade é impossível, mesmo imóvel ou calado, seus atos cotidianamente tomam partido. Resta saber, eles são includentes ou excludentes. Palavras, pensamentos, gestos, opiniões, escolhas, atitudes,...
Opinião, conhecimento e verdade são formas de expressão humana que muitas vezes se misturam e podem gerar confusão e muitas vezes não contribuir positivamente para a solucionar questões necessárias para o progresso de um setor. É fato que a opinião ...
Nem tudo que reluz é ouro; nem todo ouro reluz. Ouro na sua forma de pedra bruta só reluz com o trabalho de lapidação e polimento. Assim nem toda arte brilha, nem tudo que brilha é arte. O ouro e a arte requerem muito trabalho e trabalho é transformação do mundo em constante movimento de transformação tanto material como espiritual. Neste sentido o artigo de Helmuth se cobre de razão, pois a dicotomia no pensamento reproduzida na fábula da “A Cigarra e a Formiga” de Le Fountaine carece de consistência científica. Lembro que há uma releitura desta fábula que consta no livro da escritora Gloria Kirinus na sua obra “Formigarra Cigamiga” onde a dicotomia arte e trabalho é superada pelo pensamento da transdisciplinaridade que conjuga o trabalho da cigarra com o da formiga. A garra da cigarra está presente na formiga, assim como a miga da formiga está presente na cigarra.