Desobediência Civil e Cultura, por Mutti Kirinus

Contando a história do Violão Brasileiro para os alunos das escolas municipais de Itapoá, através do projeto Sua Majestade o Violão, encontramos dois exemplos de desobediência que favoreceu toda a história da música brasileira. Como, na época, o violão era um instrumento marginalizado, tanto Américo Jacomino (São Paulo, 12 de fevereiro de 1889 — São Paulo, 7 de setembro de 1928) – o Canhoto – como Heitor Villa Lobos  (Rio de Janeiro, 5 de março de 1887 — Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1959 estudavam e praticavam o instrumento quando escondidos, contrariando a proibição dos pais. Sem essa contravenção da norma, hoje não existiriam os Prelúdios e toda  obra para violão do Villa Lobos, nem poderíamos ouvir Abismo de Rosas, uma das valsas mais famosas do violão brasileiro.

A contravenção não é uma regra para a arte. Não é por ir contra uma norma que algo deva ser considerado artístico. No entanto, ela pode, deve, e frequentemente o faz, quando por ser fiel à verdade, quebra preconceitos, ideologias, ou ideias pré-estabelecidas dentro de uma sociedade sempre que estas ferem o ideal de universalidade presente no seu sentido humanístico. No diálogo o Banquete, Platão afirma que passando por vários estágios de contemplação da beleza, chegamos à conclusão que a Verdade também é bela. No estudo da estética, outros filósofos chegam a afirmar que não só a verdade é bela, como só através da beleza, ou seja, através da arte, ela pode vir à luz, ser revelada.

Por estar intrinsicamente ligada à verdade, sem a qual ela sequer existiria, a arte e o artista frequentemente são vistos como um perigo para qualquer tipo de sistema pré-estabelecido (principalmente quando esse é opressor), ou são marginalizados e taxados de vagabundos, loucos, rebeldes, ‘fora da casinha’. Repito: transgredir uma norma não faz de ninguém um artista, mas por ser fiel à verdade, é comum que o artista seja um grande crítico de padrões pré-determinados. Se a norma, hoje, é o acúmulo de capital, a competição, o individualismo, o imediatismo, é provável que as obras de arte versem sobre outras coisas e, juntamente, com elas, os verdadeiros artistas se encontrem distantes, à margem da regra geral.

Ainda neste sentido, por terem que desobedecer frequentemente as normas que ferem a verdade, o puritanismo, a intolerância, o radicalismo nunca será um tema da obra de arte.  Por isso, Novalis, imitando Platão, coloca na boca do seu personagem Sócrates, enquanto ele contempla um banquete, a seguinte frase: ‘O Homem que come é o mais justo dos homens, pois alimenta igualmente, tanto seus vícios, como suas virtudes.’ Shakespeare, no Mercador de Veneza, afirma que ‘o homem é uma teia de vícios e virtudes, e que nossas virtudes nos tornariam orgulhosos se nossos vícios não nos flagelassem; e nossos vícios nos desesperariam se nossas virtudes não nos consolassem.’

Tentar trazer consciência sobre a importância da arte e cultura através da escrita voluntária de artigos mensais talvez seja uma transgressão da norma. O faço em solidariedade aos artistas e em nome da verdade presente na arte. Costurar textos, citando autores já consagrados, talvez seja uma apropriação indevida. No entanto, Mário Quintana já me absolveu: ‘Só roubo dos ricos!’

Mutti

Mutti

Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.

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