Sustentabilidade, por Werney Serafini
José Lutzenberger*, comparava economia mundial a um garimpo, semelhante ao da Serra Pelada na Amazônia: uma enorme cratera, mais parecendo um descomunal formigueiro, onde as formigas são pessoas, que subindo e descendo por toscas escadas de madeira, carregam nas costas pesados sacos de minérios; criaturas irreconhecíveis, cobertas de lama, lembrando o trabalho escravo nas pirâmides do antigo Egito.
Ao fazer a comparação, Lutzenberger enfatizava o contraste entre o que está sendo feito e o que deveria estar sendo feito, no Brasil e no mundo, pela cultura industrial global.
O garimpo, dizia ele, é o protótipo da rapinagem, do saque indiscriminado, sem respeito e consideração. O garimpeiro busca riqueza fácil e rápida. Ocupa o lugar sem qualquer compromisso, destruindo o que considera empecilho. Não tem a mínima intenção em lançar raízes; não desenvolve o sentimento de pertencimento ao lugar; não têm respeito pela Natureza e nem por sua gente. Tudo é provisório, explora e leva o que pode carregar; quando a exploração fica difícil, ou a jazida se esgota, vai embora, deixando um lugar devastado e destruído.
Alguns poucos enriquecem desmedidamente. São os donos dos garimpos, os pilotos que fazem o transporte para o local e, às vezes, algumas prostitutas. A grande maioria, quando sobrevive às doenças, aos assassinatos e as disputas territoriais, sai de lá mais pobre do que quando chegou. O garimpeiro é uma vítima, está no garimpo porque perdeu o passado, foi marginalizado no seu lugar de origem.
O garimpo reproduz uma das muitas facetas da realidade econômica atual. De um lado, minorias enriquecendo à custa da exploração sem limites dos recursos naturais e dos menos privilegiados. Do outro, uma maioria, pobre, desenraizada e marginalizada.
A sociedade industrial, da forma como se comporta, está transformando o mundo em um imenso garimpo. Os chamados países desenvolvidos, aliados às classes dominantes dos países chamados subdesenvolvidos, vivem um estilo de vida hedonístico, de consumo desmedido, apoiado em um enorme e irreversível esbanjamento dos recursos naturais. Enquanto durar esse estado de coisas, a outra parte da humanidade, a grande maioria, forçosamente, terá que tornar-se pobre, pois a exploração sem limites destrói habitats, estilos e meios de vida.
Faz-se a apologia do “estilo de vida desenvolvido”, que deveria ser estendido a todos os cidadãos do planeta. Segundo a doutrina, para extinguir a pobreza bastaria levar o crescimento econômico para todos os países.
No entanto, qualquer pessoa, com um mínimo de conhecimento sobre meio ambiente, sabe que um estilo de vida essencialmente consumista é insustentável, até mesmo para os que podem praticá-lo. Estendendo-o a todos os cidadãos do planeta apressaria o colapso, pois não existem recursos suficientes para isso. Por essa razão, está em voga entre tecnocratas, burocratas, políticos e gestores públicos a expressão “sustentável”.
Infelizmente, a expressão não passa de “slogan” e, poucos, muito poucos, conseguem perceber as mudanças necessárias e urgentes no estilo de vida atual, na administração pública, na tecnologia, na infraestrutura tecnoburocrática, na filosofia de vida e de cosmovisão, para superar a atual tendência à insustentabilidade.
A grande maioria, considera “crescimento” como sinônimo de “desenvolvimento” e atenua agregando a expressão “sustentável”.
*José Lutzenberger (1962-2002), ecologista brasileiro de projeção mundial; Engenheiro Agrônomo formado pela UFRGS e pós-graduado em Química pela Universidade de Louisiana (USA); secretário especial do Meio Ambiente da Presidência da República de 1990 a 1992; um dos organizadores da Conferencia Mundial para o Meio Ambiente da ONU, no Rio de Janeiro (ECO-92); detentor de mais de quarenta prêmios nacionais e internacionais, foi distinguido com os títulos de Doutor Honoris Causa em universidades do Brasil e do exterior; primeiro brasileiro a conquistar o Livelihood Award da academia sueca que concede o Nobel Alternativo, em 1988, deixou como herança a Fundação Gaia, centro de educação para a vida sustentável.
Leia também:
O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Emiliano Castro de Oliveira, alertava em 2015, sobre o exaurimento de um dos mais importantes rios do sudeste brasileiro: o rio Paraíba do Sul, que percorre 1.130 quilômetros nos estados...
O Caminho da Onça era uma picada cortando a mata entre o mar e o rio Saí-Mirim. Por ela, passava o maior predador da fauna brasileira, hoje na lista dos animais ameaçados: a Phantera onca, da ordem dos carnívoros, membro da família dos felídeos e sím...
Ao rever antigos escritos, deparei-me com um artigo inspirado na surpresa da arquiteta e paisagista Andrea Choma ao encontrar, na lavanderia de sua casa, um guaruçá. Ocorrência incomum, porque ao que se sabe, ele vive nas areias da praia. O guaruçá ...