Rotina e o Ritual, por Mutti Kirinus

Em todas as sociedades, sem exceçoes, a arte sempre esteve relacionada com a religião. Ela foi, e ainda é, instrumento de expressão do invisível, do que não pode ser expresso pelo discurso racional, do que não tem explicação. Para dar materialidade para esta particularidade de necessidade de religar-se ao infinito inerente ao ser humano, os ritos através da constante repetição, tornam sólidas as memórias em torno dos valores que vão além do individual.

No ocidente, Mozart é considerado por muitos o primeiro grande compositor que se poderia chamar de músico independente. Ou seja, que não tinha sua subsistência vinculada exclusivamente a uma corte, ou igreja. Surgiram nessa mesma época o que conhecemos hoje como Concertos onde os músicos e os compositores recebiam por este trabalho e possibilitou, no campo da música, uma independência econômica. Surgiu assim também a ideia da ‘arte pela arte’ sem vínculos com determinada religião. O que não quer dizer que ela seja destituída de valores, muito pelo contrário, na minha opinião ela pode mais livremente expressar valores universais. Pois sem esta expressão universal que nos leva para além de nós mesmos ela não poderia ser considerada arte como refletimos no artigo anterior (Gosto não se Discute).

No entanto, a repetição por repetição não faz diferença entre ritual e rotina. A diferença está justamente na valor colocado por nós mesmos de tais eventos que se repetem. O ritual não tem o seu valor simplesmente por que se repete, mas sim por que ele almeja algo superior em importância do que a simples rotina. Assim como a arte não é puro entretenimento o ritual também não é pura repetição. A simples repetição também não faz diferença entre um vício e um bom hábito. Neste caso, o que diferencia um do outro são os resultados obtidos através da cada um, se o resultado é benéfico ou causa prejuízo a nossa saúde, ou ao sucesso daquilo estamos almejando.

Em ambos os casos, a dedicação de um tempo para apreciação ou aprendizado das artes (e a apreciação delas é parte de suma importância deste aprendizado), está em harmonia com o rito e com os bons hábitos. Ou seja, ela possui a valoração de um ritual, pois possui um caráter universal; assim como se tornará, através da repetição, um bom hábito, pois somente traz benefícios a quem a pratica. Desse modo, a valorização universal presente na arte promove a aquisição de bons hábitos. E, no caminho inverso, os benefícios causados por este bom hábito promoverá ainda mais a promoção de valores universais. Assim estas oportunidades promovem um círculo virtuoso que irá suplantar tantos outros círculos viciosos que temos presente em nossa sociedade. Além disso, ele deve acontecer de uma maneira livre e espontânea conforme a liberdade que a própria arte exige.

Em nosso município, estamos vendo surgirem oportunidades de desempenharmos esta boa repetição provindas da iniciativa privada e da Administração Municipal. Que assim seja sempre. Desejamos que estas se fortaleçam e se multipliquem cada vez mais. Eu ouvi um amém?

Mutti

Mutti

Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.

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