Quando o esporte salva vidas, por Flavio Martelozo

Existem muitas matérias circulando nos meios de comunicação falando sobre os benefícios físicos da prática regular de esportes. Há tempos, eu gostaria de escrever algo diferente, sair um pouco desse contexto em que o esporte melhora a capacidade cardiorrespiratória, diminui o risco de doenças metabólicas como cardiopatias, diabetes e outras doenças relacionadas à obesidade, que o esporte diminui o nível de estresse, etc. Pensando nisso, lembrei-me de uma história onde o esporte realmente salvou vidas, não pelos seu benefícios físicos e sim pelo seu contexto social.

Como não tive a oportunidade de pedir autorização aos protagonistas dessa história para escrever sobre eles, eu não irei citar seus nomes reais para evitar a identificação dos mesmos, porém são pessoas próximas a mim, meus amigos, com quem tive o prazer e a honra de treinar artes marciais.

Um deles, irei chamar de André, nome de um dos apóstolos conhecido como pescador de homens. André iniciou seus treinos em artes marciais ainda jovem e, acredito eu, motivado pela raiva, pois um membro de sua família, sexo feminino, havia sofrido uma tentativa de estupro, e pela “justiça” não foi possível enquadrar o criminoso. André acreditou que aprender a lutar e se defender poderia proteger sua família, porém, assim como todo esporte, inclusive as artes marciais, tem o poder de moldar o caráter de um cidadão, André, ao longo de seu treinamento e aprendizado, aprendeu que a vingança não mudaria o que já havia acontecido e que qualquer agressão ao criminoso poderia torná-lo também um criminoso.

André se tornou um grande atleta com diversos títulos em sua categoria e uma referência nas artes marciais paranaenses. Hoje, é formado em Educação Física e trabalha em um academia de musculação como professor de musculação e artes marciais. Somente quem já esteve com ele pode afirmar a bondade existente no coração dessa pessoa, que iniciou seus treinamentos motivado por um dos piores sentimentos que podemos ter, o ódio.

Mas a história de André não para por aí. André teve, até alguns anos atrás, uma academia em um bairro de Curitiba onde ensinava artes marciais. Aos arredores de sua academia, um adolescente, Alexandre, outro nome fictício, perambulava pelas ruas, envolvido com bebedeiras e arruaças, como agressões e vandalismo. Nunca foi de meu conhecimento que Alexandre teria se envolvido com drogas, mas o ambiente era propício.

André, então, começou a trazê-lo para suas aulas, nunca o obrigou, mas sempre conseguiu atrair de alguma forma a atenção de Alexandre. Um parênteses que devo destacar é que Alexandre, até onde é do meu conhecimento sobre seus familiares, não tinha problemas na sua estrutura familiar ou financeira que “justificasse” suas atitudes de rebeldia. Particularmente, eu não sei o que o levava a esta vida nas ruas, influências externas talvez, mas isso não vem ao caso.

O fato é que Alexandre, durante os anos de treinamento que teve com André, também teve seu caráter moldado e hoje é um excelente atleta de artes marciais, formado em Educação Física e gerente da mesma academia onde trabalha André. Os dois formam uma dupla fantástica. Digo isso, porque tive o prazer de conhecê-los e treinar com eles.

André e Alexandre são apenas um exemplo de como o esporte pode salvar a vida de uma pessoa, não somente em seu aspecto físico, mas na formação de seres humanos. Esse é o exemplo das artes marciais, mas analisando de forma mais precisa, todo esporte exige disciplina, paciência, persistência, respeito, espírito de equipe e muitas outras qualidades dignas de serem trabalhadas em uma pessoa.

Creio que, assim como eu, muitos conhecem histórias desse tipo. Acho que o que me incentivou a escrever sobre esse aspecto do esporte foram as tristes reportagens que apareceram sobre violência, uma delas relatou que apenas uma comunidade do Rio de Janeiro registrou 220 tiroteios na última semana, uma verdadeira zona de guerra.

Em meio a tanta tristeza, existem muitos Andrés, através de ONGs e associações, tentando resgatar jovens Alexandres que são facilmente recrutados para o crime. Enquanto procurava por dados e relatos para sustentar esse texto, encontrei uma publicação de um sociólogo que em sua essência dizia que ninguém era criminoso, porque não tinha uma quadra de esportes ou porque não praticava esportes, ou que ninguém era criminoso porque estava simplesmente desocupado; realmente não, mas não seria a falta de ocupação ou do esporte em si e sim a falta de opções, da convivência saudável, de fazer parte de um grupo saudável com atitudes positivas, interagindo de forma saudável e vendo muitos Andrés de mãos estendidas oferecendo aquilo que o Estado não oferece, uma mão amiga.

Eu sei que se ampliarmos o assunto envolvendo os problemas sociais e o Governo, teríamos conteúdo para um debate longo ao invés de uma singela publicação. A mensagem que pretendo deixar com esse texto é que o esporte é capaz de salvar vidas em seu aspecto físico, mental e SOCIAL.

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Flavio Martelozo

Flávio Rosa Martelozo, fisioterapeuta formado pela PUC-PR (2000), especialista em Fisiologia do Exercício pelo Instituto Brasileiro de Pós Graduação e Extensão (2002), Curso de Extensão Universitária Em Fisioterapia Traumatológica e Ortopédica pela Faculdade Evangélica do Paraná (2004), Especialista em Acupuntura pelo Instituto Brasileiro de Terapias em Ensino (2012). Atualmente, trabalha como profissional autônomo em consultório próprio, e em parceria com empresas de Florioanópolis em Cursos, Assessorias e Perícias em Fisioterapia. Ele escreve o Momento Acori, coluna com dicas da Associação dos Corredores de Itapoá.

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