Caminho da Onça
Contam antigos moradores de Itapoá que o caminho era uma picada cortando o mato, entre o mar e o Saí-Mirim. Por ela, passava o maior predador da fauna brasileira – hoje na lista dos animais ameaçados. A Phantera onca, da ordem dos carnívoros, membro da família dos felídeos e símbolo da fauna brasileira. Conhecida por onça-pintada, pintada, jaguar e outras denominações próprias de cada região. Isso, no tempo em que Itapoá nada mais era do que uma vasta extensão da Floresta Costeira de Mata Atlântica dominando a planície litorânea.
Não faz muito, coisa de cinquenta ou sessenta anos.
O caminho deixou de existir. Virou uma enorme e asfaltada via pública que faz a ligação entre Itapema do Norte e Itapoá, importantes núcleos urbanos da cidade. Na época, a população, senão todos, a grande maioria, o chamava de Caminho da Onça.
Da onça, não se sabe. Migrou ou fugiu para longe, no que restou do seu habitat. De existência comprovada – e agora, nem tanto – um parente próximo, a onça parda ou puma (Puma concolor), flagrada há alguns anos pelos sensores noturnos das máquinas fotográficas dos pesquisadores da Univille na Reserva Volta Velha.
Do caminho, um projeto de lei que, aprovado na Câmara dos Vereadores, mudou o seu nome para Avenida Zilda Arns, em homenagem a ilustre brasileira que tanto contribuiu com os menos favorecidos, em especial as crianças. Caminho da Onça deveria ser um ‘nome fantasia’.
O Caminho da Onça tem a ver com o que se convenciona chamar de patrimônio cultural imaterial de uma comunidade. Em outras palavras, no legado que é transmitido de geração a geração sobre os hábitos, costumes, tradições e crenças formadoras da identidade de cada lugar. Valores expressos na história por denominações de logradouros que deveriam ser preservados, valorizados e compartilhados com as novas gerações em respeito à memória dos antecessores.
Subtrair a denominação popular de Caminho da Onça é interromper a tradição. Levar para o esquecimento a história da onça, surgida dos habitantes da floresta que insistem em marcar a relevância da identidade ambiental de Itapoá. Algo como mudar o nome de Itapoá, cuja origem está nos extintos Carijós que, deslumbrados e encantados, admiravam o mistério da pedra surgindo do mar no sobe e desce das marés.
Dra. Zilda Arns merece ser homenageada por todos os brasileiros. A Pastoral da Criança, sua notável obra, tratou de inclusão social, fundamental ao desenvolvimento de qualquer comunidade. O Caminho da Onça, porém, era único e fazia parte da história de Itapoá. Povo sem história é povo sem referências, perdido no tempo.
Alguém ainda lembra do Caminho da Onça?
Outono, 2016.
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Olá Werney, tens razão, muito boa sua colocação. Na progressão deste alzheimer cultural chegaremos ao ponto de esquecer, como bem colocastes, até os nomes próprios. E o que se dirá então das tradições como o fandango, folia de Reis, carnaval, etc. Gostei muito do artigo. Parabéns! Abs.
Parabéns pelo artigo! . O patrimônio imaterial é transmitido de pai para filho, de geração a geração, como é o caso das histórias relacionadas ao “Caminho da Onça” , constantemente recriado em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Os nomes tradicionais de ruas, caminhos, estradas devem ser preservados para que não percamos o que resta do patrimônio imaterial e da identidade da cultura local! Grande parte dos “caminhos” de Itapoá formam nominadas com nomes indígenas, após oficialização dos nomes das ruas, destes nomes pouco restou infelizmente. Mais uma vez parabéns pelo artigo que nos traz a consciência a preservação da cultura local.