“O que fazer com os cães”, por Werney Serafini

O cão foi o primeiro animal selvagem domesticado pelo homem. Ao aproximar-se das aldeias primitivas, integrou-se aos humanos. Assumiu o papel de guardião do lugar, alertando sobre a presença de predadores. Companheiro fiel e coadjuvante nas caçadas, transformou-se em membro da comunidade. Perdeu o instinto selvagem e virou bicho de estimação. Adquiriu direitos e proteção legal, por assim dizer, ganhou cidadania.

Agosto é conhecido como o mês do “cachorro louco”. A proximidade da primavera faz os cães perambularem pelas ruas em verdadeiras matilhas, perseguindo as femeas no cio. Assustam, causam medo e insegurança para muita gente.

Em Itapoá, são muitos, ninguém sabe precisar quantos. Tal qual nas sociedades humanas estão divididos em classes: a dos “incluídos” e a dos “excluídos”, em outras palavras, os “com donos” e os “sem donos”.

Os “sem donos”, vivem ao léu, revirando lixeiras na busca da sobrevivência. Muitos, foram “esquecidos” pelos seus ex-donos e seguem multiplicando-se em progressão geométrica. Tornam-se inconvenientes e as reclamações surgem veementes, cobrando soluções à administração pública.

O que fazer?

Recolhe-los a um canil municipal? Castrá-los? Terceirizar o problema para as entidades protetoras de animais? Exportá-los para o outro lado da baía, como já foi sugerido? Perguntas e mais perguntas, poucas respostas.

Em Curitiba, quando Negrinho, – o vira-lata companheiro da minha meninice -, dava suas escapadas e demorava para voltar, corríamos incontinenti ao Canil Municipal, para ver se a temida “carrocinha” não o tinha recolhido. Registrado, com número e nome gravado numa plaqueta na coleira, podia ser resgatado mediante pagamento de multa, uma espécie de fiança. Os não registrados e não reclamados, depois de um tempo, viravam “sabão” ou “comida de onça” no Passeio Público, o então zoológico da cidade. Verdade? Não sei, mas era o que se dizia.

Cães nas ruas, trazem problemas. Enxotados, submetidos a maus tratos, quando acuados reagem agressivamente. Sujeitos a doenças, algumas transmissíveis aos humanos, são problema de saúde pública. Podem transmitir raiva e outras zoonoses. Pouca gente sabe, mas causam prejuízos consideráveis para a fauna silvestre, predando animais como tamanduás, cotias, graxains e outros tantos que habitam Itapoá.

A solução passa a ser de interesse público, ou seja, responsabilidade da administração da cidade. Há que se estabelecer procedimentos, instruções normativas, enfim uma política pública mínima de controle.

Ter consciência da existência de um problema é meio caminho andado, o resto depende da efetividade das ações.

Assim, para não ficar na retórica, um bom início poderia ser o cadastramento compulsório e obrigatório dos animais “com donos” e na sequência, o estabelecimento de regulamentos definindo a responsabilidade dos proprietários em relação aos seus animais.

Quanto aos “sem donos”, abandonados nas ruas, poderiam ser recolhidos, “chipados” e castrados, colocados para doação, mantidos segregados ou até devolvidos as ruas sob monitoramento e controle. Considerando que a vida de um cão está em torno de 12/14 anos, a médio/longo prazo, a população em princípio seria controlada.

Quanto aos “esquecidos”, poder-se-ia aprovar legislação própria que permita responsabilizar as pessoas que os “esquecem” com penalidades e multas expressivas e é claro divulgar as sanções e consequências em outdoors nos acessos da cidade.

O resultado das multas, bem como do registro dos animais, destinados para custear a estrutura de controle, ou parte dela.

O tema, sem dúvida, é polêmico. Alguns certamente dirão que sugerir é fácil, resolver é que são elas. Assumo o risco da interpretação. Pois, o que não dá é deixar rolar, ou realizar ações pontuais e não permanentes, como usualmente é feito. Ficar no discurso político só faz por prolongar o problema recorrente há muito tempo.

Tenho lembrança de uma lamentável e cruel “solução”, posta em prática em Itapoá, quando um morador, descrente da ação do poder público, decidiu por conta própria resolver a questão da superpopulação canina na cidade. Partiu para o extermínio dos animais, envenenando-os indiscriminadamente. Confiando na impunidade criou um clima de comoção generalizada. Foram eliminados os sem e os com donos.  O resultado os mais antigos lembram.

Infelizmente, o assunto não se esgota nos cães. Têm os gatos! Menos visíveis, em razão da independência dos felinos em relação aos humanos, mas extremamente danosos a avifauna silvestre de Itapoá que possui espécies endêmicas e ameaçadas de extinção.

Mas, essa é outra demanda tão ou mais importante que o controle dos cães.

Itapoá (Inverno), agosto de 2021.

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Werney

Werney Serafini é presidente da Adea – Associação de Defesa e Educação Ambiental. Acredita no desenvolvimento de Itapoá com a observância de critérios ambientalmente adequados.

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