“A cigarra e a formiga”, por Werney Serafini
Nas fábulas, os personagens são animais e representam qualidades atribuídas aos humanos. O leão, por exemplo, representa a força; a raposa a astúcia; a formiga o trabalho e a cigarra a indolência. Ao final de cada narrativa, surge um ensinamento de caráter interpretativo, a “moral da história”. Surgiram no Oriente, posteriormente foram para a Grécia e, mais tarde, os romanos as inseriram na literatura escrita.
Os mais conhecidos fabulistas foram o grego Esopo, o romano Fedro e o francês La Fontaine, que através das fábulas fez uma crítica lúcida e não menos satírica à sociedade do final do Século XVII. No entanto, as histórias permanecem atuais nos dias de hoje.
No Brasil, um dos mais conhecidos foi Monteiro Lobato que escreveu “A coruja e a águia”, “O cavalo e o burro”, “O corvo e o pavão”, entre tantas outras. Escreveu, também, uma versão alternativa para “A cigarra e a formiga”, de La Fontaine, contrariando a “moral da história” original, própria ao momento em que no Brasil cultura é relegada a plano inferior.
Escreveu Monteiro Lobato:
“Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé de um formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas do formigueiro.
Mas, o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos, arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas.
A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém.
Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro.
Bateu – tique, tique, tique…
Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina.
– Que quer? – perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
– Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu…
A formiga olhou-a de alto a baixo.
– E o que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?
A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois de um acesso de tosse.
– Eu cantava, bem sabe…
– Ah!… Exclamou a formiga recordando-se. Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas do formigueiro?
– Isso mesmo, era eu…
– Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraia e aliviava o trabalho.
– Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora.
– Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.
Moral da história: Os artistas, poetas, pintores, músicos e cantores, são as cigarras da humanidade. ”
(Monteiro Lobato, em “Fábulas”, São Paulo, Editora Brasiliense, 1995)
Itapoá (Primavera), novembro de 2020.
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