“A Arte em Live”, por Mutti Kirinus
Dentro da situação de isolamento um dos setores mais afetados por esta medida, extremamente necessária para salvaguardar a vida, é o trabalho com a arte.
Uma classe que precisou constantemente lutar para que sua atividade seja considerada um trabalho, consciente e com empatia suficiente para preocupar-se a vida humana, com exceção da ministra da pasta no governo federal, ela não clama pelo fim do isolamento, embora esperasse auxílio através de editais emergenciais provindos da gestão pública, seja na esfera federal, estadual ou municipal.
A solução encontrada para chegar até as pessoas e expressar sua arte é a internet. No caso do ensino, essa atividade já estava desenvolvida e na maioria das vezes ganhou estrutura e condições de trabalho remunerado. Na contemplação estética, principalmente nas artes presenciais, ela ganhou agora o apelido em inglês, como é comum no Brasil, de Live.
A Live, uma gravação ao vivo de um trabalho artístico, ou até mesmo a disponibilização de um trabalho gravado para a internet sem ser ao vivo, porém, possui alguns prós e contras. A internet é com certeza uma maneira do artista encontrar-se com o público. Mas a forma e o local onde se dá esse encontro é uma forma que proporciona a valorização da obra de arte proposta e do trabalho do artista?
Walter Benjamin, antes mesmo da internet se preocupava com a reprodutibilidade técnica da arte. Dizia que havia uma perda da aura da obra de arte quando ela era simplesmente reproduzida em grande escala e comercializada. Com certeza a arte através de uma tela não é igual a presencial. Por exemplo: quem já compareceu aos Concertos Matinais, teve a atitude de preparar-se e ir até o local, encontrou um espaço com uma cenografia preparada com um tema, encontrou os músicos com a sua história de trabalhos e conhecimentos musicais, e a partir daí entrou em contato com o repertório em torno de um tema em um momento único e especial, esta experiência além de enaltecer a arte gerou um evento social e de pertencimento entre o público, os artistas e a arte.
A partir de uma tela essa experiência é completamente diferente. É preciso se perguntar assim até que ponto a arte foi absorvida no seu sentido elevado e o artista valorizado como instrumento desta expressão elevada. Claro que dentro do isolamento isto não é possível. Mas talvez seja necessário pensar em maneiras de amenizar uma espécie de banalização por falta das sensações que acontecem presencialmente e a ideia de socialização.
A banalização pode ocorrer também pelo local onde são postadas as obras de arte serem locais de simples entretenimento, ou onde os conteúdos não possuem uma seleção qualitativa. Ou seja, a escolha dos canais de divulgação podem ser talvez uma maneira de evitar um olhar descuidado para a arte, pois embora ela deva sim encontra-se com as pessoas, ela não pode perder sua dignidade.
E por fim, o problema é que a monetização dos canais pela internet é muito difícil e demorada, e as lives nas redes servem apenas para divulgação do artista mas não geram renda. Ou seja, sem editais emergenciais a cultura que cubra estes gastos e trabalho, os mesmos vão terminar a ‘live’, já que terão que achar outras fontes de renda, se encontrarem, cansados e sem cachê. Assim, talvez a ‘live’, se não for remunerada de alguma outra forma é uma desvalorização não da arte em si, se ela conseguir evitar a banalização, mas do trabalhador. O artista, desse modo continuará cantando o pobre refrão de mostrar o seu trabalho sem receber, como lhe era repetidamente solicitado pelos empreendedores que queriam música ao vivo, mas não queriam pagar o artista.
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