Sobre aglomerações, por Werney Serafini
Nos anos 30 do século passado, um fenômeno social marcou a vida pública na Europa: o inicio do advento das massas ao poderio social. O filosofo espanhol José Ortega y Gasset denominou o fenômeno como “rebelião das massas”.
As massas, segundo ele, não deveriam ou não poderiam dirigir a própria existência, menos ainda, reger a sociedade. A Europa então, mergulhou na crise mais grave que povos, nações ou culturas, poderiam ser submetidos.
Para compreensão do fenômeno, recomenda não dar aos termos “rebelião”, “massas” e “poderio social”, o sentido exclusivamente político. A vida pública, para Ortega é mais do que política, é também intelectual, moral, econômica e religiosa, influenciada por usos e costumes.
O termo aglomeração tem a ver com “lotação”, ou seja, cidades lotadas de pessoas; casas lotadas de gente; hotéis, lotados de hospedes; veículos, lotados de passageiros; bares e lojas, lotados de consumidores; consultórios e ambulatórios, lotados de pacientes; teatros e cinemas, lotados de expectadores; praias e locais de entretenimento lotados de turistas e por aí afora. Assim, encontrar lugar, o que antes não era problema, passou a ser.
Uma multidão surgiu à procura dos lugares e instrumentos criados pela civilização para serem utilizados. Isso surpreendeu Ortega, e mais ainda, surpreendeu-o a própria surpresa, uma vez que esses lugares foram concebidos exatamente para serem ocupados e os instrumentos para serem utilizados. Antes, porém, não costumavam lotar e agora, estavam cheios e sobrava gente ansiosa por usufrui-los.
Surpreender-se, estranhar-se é o começo do entendimento, dizia. E a melhor atitude é olhar o mundo com os olhos dilatados pela estranheza. O mundo só é estranho e maravilhoso para olhos abertos. Não foi por menos que os antigos gregos deram a Minerva, a deusa da sabedoria, uma coruja, o pássaro com olhos sempre deslumbrados.
Multidões não surgem do nada. Os indivíduos preexistem, mas não como multidões. Separados em grupos ou solitários, levavam a vida de forma dissociada e distante. Cada qual, individuo ou grupo, ocupando um lugar no campo, povoado, vila ou bairro de uma grande cidade.
De repente, transformaram-se em aglomerações. Multidões por toda parte, mas não em qualquer lugar e sim nos melhores, reservados anteriormente às minorias. A multidão passou a ser visível nos lugares preferenciais da sociedade.
A aglomeração perdura neste início de século. A pressão demográfica, mesmo com o aumento da quantidade de lugares e de instrumentos, não faz por restringi-las e a “lotação” permanece, com o agravante do aumento na quantidade de excluídos das benesses proporcionados pelo crescimento econômico.
Surge, também, inexorável, um outro fato, talvez despercebido ou pouco percebido no século passado, mas inquietante e preocupante no atual: a pressão humana sobre os recursos naturais do planeta, agravada ainda pela poluição gerada pelo consumo globalizado, equação que parece não fechar.
Novos tempos? Consequências da rebelião das massas? Assunto para pensar…
Itapoá (inverno), julho de 2019.
*José Ortega y Gasset (1883-1955) filósofo e escritor espanhol, teórico social, ensaísta, critico cultural, educador, politico e editor do influente jornal Revista de Ocidente. Considerado um dos mais importantes filósofos do Século XX. A Rebelião das Massas, escrito em 1930 é uma das suas mais importantes obras.
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