Empatia, cidadania e arte, por Mutti Kirinus

No período das eleições presidenciais escrevi uma frase para gerar reflexão: Empatia é o primeiro passo para o exercício da cidadania. Nada mais verdadeiro. Explico.

O reconhecimento dos limites entre direitos e deveres só fazem sentido quando nos colocamos no lugar do outro, seja este real ou imaginário. Seja através do imperativo categórico de Kant, ‘ter para si como norma de conduta aquilo que valeria para todo ser humano’ ou do adágio popular de ‘não fazer para o outro aquilo que não deseja para si mesmo’, toda ética desde a mais simples norma de etiqueta até as punições criminais tem seu alicerce na perspectiva deste outro que é preciso colocar-se no lugar.

Se empatia é colocar-se no lugar do outro e esta tarefa é imprescindível para o exercício da cidadania e evolução da sociedade, quais as faculdades humanas mais necessárias para o desenvolvimento desta tarefa?

Imaginação e sensibilidade.

Não existe modo de reconhecer o próximo se protegido pela couraça do individualismo e egoísmo eu não permito me afetar pelo outro. O aumento da capacidade de sentir é uma das principais ferramentas para o movimento empático.

Também não é possível, mesmo que eu perceba a existência do próximo e me afete por ela, colocar-me no seu lugar, mesmo que isso seja sempre algo aproximado, se não o fizer através do uso da imaginação.

O aumento da sensibilidade, a prática de uma escuta ou olhar atento, a interpretação do sentido que um poema tem para si e para os outros mostrando sua universalidade, viver a história de um personagem de teatro ou literário, entre outras são maneiras de aumentar a sensibilidade e imaginação que possibilitarão o caminho para uma empatia mais fácil.

Ora, impossível não reconhecer que o espaço privilegiado para o exercício deste acréscimo nas nossas faculdades é a arte.

Se a empatia tem uma relação privilegiada com as artes, e o exercício da cidadania é uma responsabilidade pessoal para com o outro, é preciso pensar sobre o que e quais atividades você como cidadão utiliza e valoriza para aumentar a empatia e assim a qualidade do relacionamento com o próximo.

Se todos queremos um mundo com mais empatia, ética e cidadania e se é um consenso que a Arte e Cultura eleva o humano em nós, por que existe tão pouco investimento no setor? Por que ele nunca foi colocado ao lado das prioridades dos governantes? Por que ele é tão negligenciado, e nos dias atuais, não bastando ser por séculos tratado com indiferença, hoje é inclusive atacado?

Acontece que o exercício da verdadeira cidadania implica uma série de problemas para a manutenção da desigualdade social e de direitos, e isso não convém para os que se beneficiam dela.

Por isso, velada ou abertamente, há constantes e repetidas tentativas de desmonte da Cultura ou das ferramentas por onde esta viabiliza sua existência. Elas têm um único propósito: fazer com que o cidadão de bem perca a capacidade da empatia e com ela, perca também a noção do que realmente é este ‘bem’. Consequentemente esse cidadão só consiga associá-lo aos ‘seus’ bens materiais, ‘sua’ proteção ou de ‘sua’ família, ‘seus’ benefícios, ‘sua’ posição social; e não a um bem, embora sempre a ser alcançado, que engloba o outro dentro de um princípio de fraternidade universal.

A característica principal do psicopata ou sociopata é justamente a ausência de empatia. Assim, além da desigualdade social e de direitos supracitados, talvez o grande problema de uma sociedade que não favorece as atividades que nos tornam mais empáticos, e muitas vezes nos treina justamente para o seu sentido inverso, é alimentar um meio social onde a falta ou diminuição da empatia seja celeiro destes distúrbios sociais.

Caso tenhas sido afetado por esta reflexão, e caso colocando-se no lugar do autor interpretativamente esta tenha gerado alguma empatia sobre o tema, deixe seu comentário na publicação da mesma nas redes sociais. Afinal, a atitude mais básica da empatia é uma boa conversa, e é conversando que a gente se entende.

Mutti

Mutti

Helmuth A. Kirinus é mestre em Filosofia pela UFPR, formado em gestão cultural e músico. Atualmente coordena 8 projetos via lei Rouanet de incentivo à cultura e 4 via Sistema Municipal de Desenvolvimento da Cultura de Joinville. É professor de violão e coordenador da Escola de Música Tocando em Frente em Itapoá. Atua também como representante técnico do setor Comunicação e Cultura dos projetos do Ampliar pelo Porto Itapoá.

4 comentários em “Empatia, cidadania e arte, por Mutti Kirinus

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    16 de abril de 2019 em 10:40
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    Mutti, que texto bem escrito e importante nos dias de hoje. Sim, somente uma boa arte pode tocar a inteligência e a sensibilidade das pessoas. Parabéns pelo texto e continue nos agraciando com suas belas e sábias palavras.

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    14 de abril de 2019 em 08:46
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    Gostei da reflexão. Se eu pensar no próximo como penso em mim, logo terei compaixão e lutarei pelos interesses coletivos, não individuais.

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    13 de abril de 2019 em 21:22
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    Mutti, sua fala é cada vez mais lúcida e acertiva, nos leva a reflexão mas também a ação no sentido de nos abrirmos para a possibilidade do encontro com o outro. Necessitamos cada vez mais de reflexões como a sua. Sinto mais fortalecido depois de lê-lo. Obrigado!

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