Fama x reconhecimento, por Mutti Kirinus
Na Filosofia Oriental existe um adágio que diz que ninguém é capaz de julgar se és bom ou mau, e apenas terá a certeza disso através das suas realizações. Ou seja, se o fruto do seu trabalho produziu ou produz algo bom, então és bom, se o fruto do seu trabalho não produz então não podes fazer a mesma afirmação. Este antigo adágio mostra bem o que estamos chamando aqui de reconhecimento.
Antigamente, porém, uma personalidade somente ganhava Fama, ou seja, tornava-se conhecida para além do seu habitat natural, através dos seus feitos. Com o advento da evolução dos meios de comunicação e o seu uso em interesses comerciais de massa, assim como ideológicos e políticos, hoje é possível uma personalidade ter fama sem precisar de qualquer tipo de reconhecimento.
No campo da cultura, devido a uma série de fatores (entre eles a dificuldade de viver da sua arte), a fama é muitas vezes mais buscada que o reconhecimento, o marketing e a divulgação mais importante do que a obra. A tendência que surgiu no estrelato do cinema e na música pop, juntamente com uma relativização de valores e crenças, criou uma necessidade de eleger heróis rapidamente renováveis, igual aos produtos do que foi denominado na sociedade de consumo, de produtos da moda.
Há uma tendência, nos programas de entretenimento e redes sociais, e na própria sociedade em geral de uma espetacularização de personalidades, de buscar heróis que cumpram essa função, mesmo que talvez sem o mérito que provém daquilo que denominamos reconhecimento, intrinsecamente ligado ao trabalho realizado e ao benefício deste trabalho na história do seu segmento e para a sociedade como um todo. Exemplo disso é a viralização de muita coisa na web que não possui um conteúdo que mereça reconhecimento enquanto que aquelas que merecem muitas vezes não tem a mesma visibilidade.
Um poema de Paulo Cézar Pinheiro, músico e compositor de reconhecimento inquestionável versa sobre esse tema falando do choro: O Choro não segue a moda, que a moda não dura.’ A permanência no tempo é um fator importante para diferenciar aquilo que apenas tem ampla divulgação, daquilo que tem um valor de reconhecimento, pois a mídia troca os seus heróis rapidamente, mas o trabalho que gerou frutos verdadeiros tendem a permanecer para além do curto período da fama e na maioria das vezes ultrapassa inclusive o tempo de existência de quem o realizou.
Se você quer saber se estás apenas seguindo a moda ou valorizando algo que merece reconhecimento, analise a sua história, os frutos do trabalho que tal artista produz, seu impacto ou diferencial no seu respectivo segmento, o que os especialistas no assunto e críticos do segmento dizem sobre ele, etc. Ou caso não queiras ter esse trabalho, espere no máximo uns 10 anos, e terás essa certeza. É claro que tudo passa pela sensação e gosto pessoal. Mas muita coisa devido a uma repetição intensa e muita propaganda passa despercebidamente a entrar em nosso gosto pessoal apenas por nossa mente reconhecer aquilo como algo familiar e assim agradável. Nosso cérebro tem uma tendência a economizar energia, e tudo aquilo que não exige trabalho a ele, ele sente como agradável. A despeito da poesia, melodia e harmonia, uma música comercial foi feita para ser facilmente assimilada. Este é o motivo da música comercial fazer mais ‘sucesso’ do que a música instrumental, erudita, ou popular de qualidade. Além destas últimas serem mais complexas, não tem tanto espaço na mídia e vão assim aos poucos se afastando do gosto da população. No entanto tudo o que merece reconhecimento irá de uma forma ou outra garantir seu lugar na posteridade, se tornará história e não apenas sucesso.
Enfim, hoje com o poder de divulgação, marketing e propaganda, apelo a imagem dispensando a prioridade de conteúdo, montagens e fakes, etc, uma personalidade pode conseguir fama e milhares de seguidores sem ter realizado um único feito que mereça reconhecimento. Ou seja, paradoxalmente, hoje podemos encontrar na rua pessoas famosas, mas que não tem a menor importância para a humanidade.
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Parabéns pelo artigo. Retrata muito bem o grande problema da modernidade que é o culto a personalidade alimentado pela mídia. Valoriza-se a personalidade e não seus feitos. Quando a árvore só pode ser conhecida pelos seus frutos e não vice verso nos recomenda o Divino Mestre. O culto a personalidade se sobrepõe aos feitos tanto na arte como no serviço público. Enquanto que o verdeiro artista se revela na sua arte, assim como a verdadeira autoridade política nasce do serviço que presta e não de sua personalidade. Não mais existe o apreço pela arte e pelo serviço público e sim a valorização da pessoa. Eu não voto em partido, voto na pessoa. Assim o partido que contém as propostas de serviço é substituído pelo culto a personalidade. Assim também poder-se-ia dizer que eu aprecio o Artista e não sua arte.
Bem isso Mutti, nessa m9dernidade onde “tudo que é sólido se desmanchando ar” , essas suas palavras como rocha vão permanecer por muito tempo. Sua compreensão e lucidez dos fatos não vem de a pouco mas sim é sua trajetória de conhecimento, vivência e dedicação. Ma8s uma vez , como sempre, um texto brilhante, instigante e revelador. Parabéns!