Memória: Repetição e Emoção, por Mutti Kirinus
A principal diferença do ser humano e dos animais é que o seu legado não é transmitido somente através dos genes, mas principalmente através da memória e linguagem. Em uma palavra daquilo que chamamos de cultura e que mensalmente revisitamos sob diferentes perspectivas nesta coluna.
Refletir sobre o que nossa memória seleciona para guardar e transmitir para a posteridade é então algo de considerável importância. Dois fatores principais fazem nossa mente guardar determinada informação: a emoção e/ou a repetição.
A Indústria do marketing e propaganda utiliza muito bem os 2 motivos seletivos. A música tem um papel fundamental no critério da emoção. Essa ferramenta é fundamental também no cinema. Alegre ou triste, explosiva ou intimista, dissonante ou consonante, tensa ou tranquila a música desenha no telespectador a emoção que se quer associar àquelas imagens. Some a isto a repetição constante e se poderá fazer pessoas desavisadas de uma nação inteira acreditar em qualquer coisa.
Este recurso foi utilizado para realizar o holocausto do nazismo, para regimes autoritários, ou simplesmente para que se gaste dinheiro consumindo coisas que farão mal a sua saúde e dos seus filhos.
No entanto, a pura repetição não deveria ser o único critério para imprimir na memória da humanidade desejos, necessidades, conceitos e ideias. Entre um vício e um hábito bom a única diferença é a qualidade daquilo que se repete constantemente. Não fosse o puro interesse comercial ou de dominação por trás dos empregos destas ferramentas, com certeza elas teriam já transformado a realidade positivamente.
Por outro lado, a emoção também tem esse poder de imprimir permanência na memória individual. Muitas lições de vida beiram o trauma psicológico devido a intensidade da emoção. Emoções positivas também se sustentam na memória individual como por exemplo, na ‘nossa música’ dos casais que foi ouvida em momento especialmente apaixonado.
Ora, no universo humano, as criações que mais têm o poder de provocar emoções e não estão vinculadas a um interesse específico, político ou comercial, mas sim um interesse universal, são o que conhecemos como obras de arte, qualquer que seja o segmento.
Falta, no entanto, a sua repetição contínua em nosso dia a dia, para que a arte possa cumprir com o seu potencial transformador. Dentre as repetidas lições escolares, causa espanto o fato de não ser repetido o conhecimento das obras e dos artistas nacionais e universais com tanta ênfase com que se faz com outras matérias. É, com certeza, uma lacuna que necessita ser preenchida.
Iniciativas de formação em atividades artísticas continuadas para o público leigo no aspecto da repetição são muito importantes. A presença em espetáculos de alta qualidade com grande frequência é mais eficiente no aspecto da emoção gerada.
A associação das duas formas de fomento à cultura pode transformar a realidade se acolhidas e valorizadas pelos setores da administração pública da cultura e da educação. É papel de cada cidadão valorizar e imprimir na sua memória pessoal e de seus filhos, lembranças que vêm do contato com estas atividades.
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Mutti, sua reflexão como sempre lúcida e esclarecedora, vai no ponto certo. Temos que fazer com que a arte a cultura e as humanidades cheguem ao coração das pessoas, ainda mais em um momento em que o desatino começa a rondar e pessoas falam em armas e outras sandices como ferramenta para combater uma violência que na verdade está nelas. Só a Educação e a Cultura nos salvará. Paz e Esperança para todos nós!!!