Parece mentira, por Werney Serafini

Werney Serafini - principalAqueles óculos que estava na mesa e sumiu. Aquela chave que estava na porta e também sumiu, assim sem mais nem menos. Enfim, os objetos que não são encontrados de jeito nenhum. Tudo é obra do Saci Pererê, o personagem mais arteiro e atrevido do folclore brasileiro.

Também chamado de Matitaperê, é um negrinho perneta que inferniza a vida das pessoas, quebrando coisas, escondendo objetos, causando tropeços, assustando animais e muito mais, tudo para se entreter.

Diz a lenda, que surgiu entre os índios brasileiros no período colonial e aos poucos incorporou, por influencia dos escravos, as características da cultura africana.

Tio Barnabé, personagem de Monteiro Lobato, conta que é um diabinho de uma perna só à solta no mundo, mestre em travessuras de toda ordem para importunar as pessoas. Traz na boca, um pequeno pito que mantem sempre aceso e, na cabeça, uma carapuça vermelha, que é o segredo do seu poder. Quem conseguir tomar-lhe a carapuça ficará por toda a vida, senhor de um pequeno escravo.

O Saci faz azedar o leite, quebra as pontas das agulhas, esconde tesourinhas de unhas, embaraça novelos de linha, faz moscas caírem na terrina de sopa, queima o feijão na panela e gora os ovos das galinhas. Encontrando um prego, vira a ponta para cima para que espete o pé do primeiro que pisar. Tudo que acontece de diferente é obra e arte do Saci. Não bastando, atormenta os cachorros, espanta as galinhas e persegue os cavalos no pasto. O Saci não faz grandes maldades, mas não há maldade pequena que não faça, diz o tio Barnabé.

Nasce no taquaruçu, um bambu gigante. Sete é o seu número, demora sete anos para nascer e morre aos setenta e sete, transformando-se em sete cogumelos venenosos.

Na palma da mão esquerda tem um furo que serve para brincar com brasa incandescente. Joga para cima, passa pelo furo da mão, pega com a mão direita e joga para cima novamente. Esse movimento traça um círculo que a noite parece à luz de um vagalume. Parece, mas não é, na verdade é o Saci brincando com a brasa.

Existem três espécies identificadas: o Pererê, o Trique e o Saçurá.

O Saci Pererê é o mais popular. Tem 57 centímetros de altura e é o único que sai da mata e vem à cidade para ver se alguém está aprisionando ou maltratando os animais. Não gosta de aparecer e se diverte vendo as pessoas discutirem se ele existe ou não. Gosta de provocar escondendo objetos. Certamente, foi ele que escondeu o óculos e a chave desaparecida. Mas, não é para se preocupar, ele sempre devolve o que pega.

Para apressar a devolução, existe uma ‘simpatia’: em um pedaço de barbante se faz três nós. A cada nó, vai se dizendo: “tô te amarrando, Saci, devolve o óculos e a chave que escondeu”. No terceiro nó, os objetos vão aparecer. Se não de imediato, em sete ou depois de setenta e sete minutos. Importante: quando os objetos aparecerem, os nós devem ser desfeitos, ou haverá uma sequência de sete anos de azar!

O Saci Trique é o menor de todos. Tem 37 centimetros de altura, vive escondido nas touceiras de bambu e, sorrateiro, observa a movimentação na mata. O Trique segue as pessoas para ver o que estão fazendo. Ao se ouvir um ‘trique, trique, trique’ parecido com gravetos quebrando, é sinal que Trique está logo atrás.

O Saci Saçurá é o maior da família. Tem 77 centímetros de altura e também mora no bambuzal. Tem os olhos vermelhos para espantar os caçadores. Quando o cachorro se aproxima, ele o afugenta, arranhando a orelha do animal, que, assustado, foge ganindo. Se o caçador insistir na caçada, o Pererê dá um assovio para distraí-lo, enquanto o Trique e o Saçurá entopem o cano da espingarda com terra de formigueiro. Ao dispará-la, ela explode, o cano da arma racha e o caçador fica chamuscado.

Há quem goste de caçar saci e é mais simples do que se imagina. Como ele se desloca dentro de redemoinhos de vento, comuns na primavera, basta jogar uma peneira, dessas de abanar café, sobre o redemoinho, colocar uma garrafa escura sob a peneira para que ele entre dentro dela. Daí é só tampar com uma rolha marcada com tinta vermelha e em forma de cruz. Porém, uma advertência: é preciso muito cuidado para não deixá-lo escapar, pois se acontecer, ele se vingará infernando com suas diabruras.

O que poucos sabem é que o Saci não é somente um menino arteiro e irreverente, mas antes de tudo é ferrenho protetor da natureza. Quem quiser entrar na mata e não ter qualquer problema, antes, deve pedir autorização para ele. Caso contrário, é melhor não entrar.

Itapoá, inverno, 2016.

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Werney

Werney Serafini é presidente da Adea – Associação de Defesa e Educação Ambiental. Acredita no desenvolvimento de Itapoá com a observância de critérios ambientalmente adequados.

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