Pensar a cidade, por Werney Serafini
“Com quantas árvores se faz a floresta? Com quantas casas se faz a cidade?” (José Ortega y Gasset).
Quem olha as árvores não vê a floresta. Quem olha as casas não vê a cidade. As árvores estão na floresta, assim como as casas estão na cidade. Indivisíveis, floresta e cidade têm em comum natureza invisível.
Caminhando na floresta, à medida que se avança, as árvores, uma a uma, vão sendo substituídas e a mata se decompõe em trechos visíveis a cada olhar. Caminhando por uma rua, as casas vão sendo substituídas e assim sucessivamente a cada nova rua.
Floresta e cidade não são permanentes, mudam a cada novo olhar. Estão adiante de onde se está e de onde se veio. No caminho, restaram apenas pegadas. Floresta e cidade têm uma aura de mistério. Somatórias de possibilidades que se realizam ou não; as imediatas são pretextos para que as demais permaneçam ocultas, distantes.
As árvores, ensinava o filosofo, não deixam ver a floresta, assim como as casas não deixam ver a cidade. O pensamento tem significado profundo: a missão das árvores e das casas presentes ao olhar é tornar latentes todas as outras e ao se perceber que a paisagem visível esconde paisagens invisíveis é que se encontra, verdadeiramente, a essência da floresta ou da cidade. Estar oculto não é negativo, ao contrário, é positivo, pois ao se derramar sobre alguma coisa a transforma, faz dela algo novo.
Tem pessoas que não reconhecem a profundidade. Exigem que o profundo se manifeste como superfície, visível ao olhar. Não aceitam outras formas de clareza e atentam unicamente para a peculiar transparência da superfície.
Não compreendem que é essencial ao profundo permanecer oculto para depois se apresentar na superfície, como se antes estivesse palpitando sob ela.
Cada coisa tem sua própria condição e não a que se quer exigir-lhe. Não é lícito apequenar o mundo com cegueiras individuais e diminuir a realidade suprimindo imaginariamente parte dela. Certas coisas mostram de si apenas o necessário para advertir que estão ocultas. O profundo requer esforço mental para ser compreendido.
As coisas materiais, que podem ser vistas e tocadas, têm uma terceira dimensão que constitui sua profundidade ou interioridade. Terceira dimensão que não pode ser vista e nem tocada. Na superfície, estão as alusões sobre o que poderiam conter interiormente, mas que não estão presentes ao olhar da mesma forma que a sua face visível.
Exigem que as coisas sejam claras, tanto quanto uma laranja diante dos seus olhos. A laranja é um corpo esférico, com anverso e reverso, superfície e interior. Não é possível ver, ao mesmo tempo, o anverso e o reverso, nem a superfície e nem o interior. Com os olhos se vê parte da laranja, nunca a totalidade do fruto, cuja maior porção permanece oculta ao olhar.
Claro não é apenas aquilo que se vê. A mesma clareza se oferece na terceira dimensão de um corpo e, se não houvesse outro modo de ver e pensar além da visão imediata, as coisas, ou certas qualidades delas inexistiriam.
Essa clareza é necessária para olhar e pensar a cidade. É preciso abranger o anverso e o reverso, a superfície aparente e o interior oculto. Buscar na sua realidade profunda, tornar visível aquilo que poderá vir a ser.
Itapoá, inverno de 2016.
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